2015/06/23

PASSEIO NOCTURNO


Tentando arrefecer aqui sentado no sofá de uma casa sem ar condicionado faço questão de sair de casa agora e vou.

Uma parte da rua está sem iluminação pública há já alguns dias, será que desligaram alguma coisa para poupar uns cobres!

Vagueio por entre ruelas e esquinas acompanhado, aqui e ali, por gatos meio zonzos pelo estio canicular de uma tarde tórrida.


Finalmente no meio da rua, como que surgido do nada, um jovem de 20 e poucos anos que passa por mim sem se dar conta, com um cigarro apagado na mão.

Os passeios estão cada vez mais íngremes e cobertos de flores silvestres, algumas ervas cobrem por completo as pedras como que tapetes coloridos para um passeio suave; o lixo disperso acumula-se nos cantos, um buraco aqui, outro ali, pedras soltas empoleiradas, armadilha fácil para idosos e crianças desatentas, as paredes escuras e sujas destoam das novas, construídas de raiz e pintadas há poucos dias.

As montras, ainda iluminadas, salvam a paisagem triste da noite do desencanto.

Nos bares abertos, um cheiro característico de petiscos ainda por deglutir, em espaços ainda vazios com cadeiras e mesas vazias. Está uma noite fantástica, a refrescar. Mas as pessoas, essas não as vislumbro em sítio algum. Hora de novelas!! Tempo de ressesso televisivo.

Finalmente alguém, decididamente saiu à rua nua. Mas para passear um caniche anão felpudo e nervoso, que entusiasticamente dá pinotes na calçada, como impulssionado por molas. O homem puxou o animal sem sequer limpar a rua, porque é para isso que saiu agora. É o costume! E lá ficou aquele cheiro de cão e de caca de cão e do homem zangado que tão depressa saiu de casa como entrou por ela dentro. E amanhã voltará à mesma hora, ao mesmo local, para passear o cão e sujar a rua. E a mesma dança, para o mesmo gesto… e assim vai a cidade, dissolvida em gestos brandos, em sonolências, em nuvens de cheiros, e lixo, e os buracos, e os muros fétidos, e os cidadãos esquivos, com novelas de um quotidiano de futuro incerto e vago.

A casa dos frangos já fechou. A gasolineira permanecerá por mais algum tempo. Subo a escadaria de graffittis coloridos destes novos tempos de arte urbana interessante e sui generis que ninguém censura.


Vagueio pela rua nua (óbvio), um pouco suja (é favor) e meio iluminada (é real).

Entro em casa, simplesmente chateado, mas já acostumado…

João Belém

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