Onde foste ao bater das quatro horas e, antes, quem eras tu, se eras? Amigo ou inimigo, posso falar-te agora sentado à minha frente e com os ombros vergados ao peso da caneta? Falo-te sobre a cabeça baixa e vejo para além de ti, no horizonte, teus riscos e passadas; mas não sei onde foste, nem se eras. Olho-te ao fundo, sob o sol e a chuva, fazendo gestos largos ou só um leve aceno; dizes palavras antigas, de antes das quatro horas, e nada sei de ti que tu me digas dessa cabeça surda. Não te pergunto pela verdade, que pensas de amanhã ou se já leste Goethe; sequer se amaste ou amas misteriosamente uma mulher, um peixe, uma papoila. Não quero essa mudez de condolências a mim, a ti, ou só à terra que tu e eu pisamos — e comemos. Pergunto simplesmente se tu eras, quem eras, e onde foste depois que se fizeram quatro horas. Será que não tens olhos? Não tos vejo. De longe em longe agitas a cabeça, mas talvez seja engano. Palavra, não te entendo. Amigo, a que vieste?
Pedro Tamen, in "Horácio e Coriáceo"
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