Aos Irmãos de H.
O que me interessa em Pessoa (máscara) seja ele Fernando, Alberto ou Álvaro é o ar grego e geométrico da sua casa - casa dos seus versos exteriores - onde as plantas terrenas, totalmente terrenas com que enfeitou os seus dias e noites aguardam sonolentas no calor do dia a música, as abelhas, a lenta putrefacção da clara Natureza na noite nascente. Parece que escrevia bem o inglês (descobriram isso, embora não seja seguro depois de falecer) tão bem que os rostos de Tennyson, Shelley, Whitmann, Shakespeare e alguns outros indistinguíveis vieram pousar sobre o seu rosto engelhado: numa aldeia galesa os habitantes julgam recordar-se dum fantasma de gabardina que numa tarde foi segundo consta avistado por velhos, crianças e amáveis mulheres andando entontecido pelas ruas sem destino sombra aqui, sombra acolá - o que era, aliás, apenas fingimento. Por cá evidentemente sua-se de novo o ranho, o esperma e o sangue dos poetas (carrascão, ginjinha, uísque e soda?) a sério e a brincar o que dá jeito expressão serenidade. Algures, num jardim real, o neófito agoniza ombro com ombro, barba com barba para que a chama da candeia luza ainda numa rua onde nunca choverá Algures, um laranjal incendeia-se de repente e as aves partem em bando mas já frias como dobrada à moda de nenhures. Numa sala um gato absorto olha o mostrador dum relógio olha sem entender e numa certa janela um lenço acena de vez E a figura de arame de Pessoa (máscara) dentro dum automóvel de brinquedo na velha estrada de Sintra que não existe, nunca existirá - e por isso, ó minha alma, é bem real - despenha-se explodindo no coração do Mundo (ausente).
Nicolau Saião
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