Sim, amigo é coisa muito séria.
Acho que a gente pode viver sem emprego, sem dinheiro, sem saúde e até sem amor, mas sem amigos, nunca.
Pois o amigo é capaz inclusive de suprir discretamente essas faltas e lhe conseguir trabalho, lhe emprestar dinheiro, lhe tratar na doença.
Só não pode se envolver em assuntos de amor, porque aí deixa de ser amigo; e a maior tolice a que se arrisca a incorrer alguém é misturar amigo com amor.
Amizade e amor são qualidades paralelas na vida de cada um; se conhecem, até se estimam, mas nunca se encontram ou se conquistam.
A primeira lei da boa amizade, creio que é ter poucos amigos. Muitos camaradas, colegas, conhecidos cordiais, mas amigos, poucos.
E, tendo poucos, poder e saber tratá-los.
Jamais criar rivalidade entre os amigos: cada um há de se ter sua área específica, sua zona própria de influência.
Não misturar os amigos uns com os outros.
Não vê que cada amigo, por ser o único em seu território, não precisa sequer conhecer os donos dos outros territórios.
É que, sendo a nossa alma tão variada nas suas exigências, precisamos de amigos de acordo com os diferentes ângulos do nosso coração.
O amigo da comunicação intelectual não pode ser o mesmo da confidência íntima; o velho companheiro de infância não tem nada a ver com o precioso camarada adquirido nos anos da maturidade.
E há razões práticas para não misturar os amigos: lembranças de mocidade passadas na barranca de um rio em Mato Grosso, o seu amigo intelectual talvez não tolere regionalismo e por isso desdenhe intensamente as barrancas de Mato Grosso.
Assim com o futebol, os debates sobre Religião, as intrigas políticas, os negócios, o gosto de recordar os sambas de Noel Rosa.
Insisto, mantenha com rigor cada amigo no seu compartimento.
Respeite seus amigos.Isso é essencial.
Não procure influir neles, governá-los ou corrigi-los. Aceite-os como são.
O lindo da amizade é a gente saber que é querido a despeito de todos os nossos defeitos.
E nisso está outra superioridade da amizade sobre o amor: a amizade conhece as nossas falhas e as tolera e, até mesmo, as encara com condescendência e afeto.
Já o amor é só de extremos e, ou se estrincheira na intolerância, ou se anula na cegueira total.
Amigo entende, agüenta, perdoa, "Amigo é pra essas coisas", como diz aquela cantiga tão bonita.
Rachel de Queiroz