2010/02/28

VIAGENS II...


Corro ansioso e veloz,
entre alamedas douradas,
numa estrada feita de cores
de carvalhos e latadas.

O Sol esse vaidoso
vai p'la frente, que emoção,
nesta terra de conquistas,
já me bate o coração.

Romana terra,
Alentejo de conquistas,
bravo guerreiro
meu Alentejo,
de mouras ruínas,
rica poeira.
Meu Alentejo romano,
magnas assembleias,
conceituosas orgias,
distintos manjares,
nutritivos petiscos,
bebidas que entontecem,
duplicam a visão das coisas
alteram imagens,
alucinação,
pecado,
ludibriam o viajante,
que muito simplesmente as rejeita.

O pão,
esse manjar divinal,
que da espiga de trigo
ou de centeio se forma,
lhe dão fôrma,
dá prazer, força,
vitalidade.
Trigo moído,
amassado,
cozido,
se fôrma,
lhe dão forma,
para que possa ser
o alimento desejado,
de quem se sinta libertado,
p'ra ser então proclamado,
anunciado,
como fruto preferido,
e lhe seja dado o dom,
de ser codea p'ra ricos,
e o miolo dos pobres.

Paragem forçada, apetecida…

Cinco minutos de paz,
no campo doirado,
entrincheirado,
por alvas rochas,
o Sol a pino,
o murmúrio da brisa,
que desliza,
traz a lembrança do mar revolto,
ternas carícias,
bem vindas recordações
que se esvaem, metro a metro,
quilómetro a quilómetro…
Trezentos segundos de silêncio,
contemplação,
qual repouso eterno,
relaxamento.
panóplia de cores e odores,
sensações edílicas
de um solo de romanas formas
de sensitivas partículas
de que somos feitos.

Chão sentido.

De repente
sinto-me elevado no ar,
delirante rodopiar de sentidos,
repletos de meiguice
qual traquinice de miúdos
sedentos de felicidade…

Uma árvore corcunda e errante
estica os seus braços de verde escuro
que me envolvem,
puxam-me vagarosamente para dentro de si.
Um odor a cortiça e erva perfuma-me,
debato-me com violência e medos,
perante tamanho acontecimento
tão brutal como natural,
esporádico atentado,
que merece terna reacção,
à qual me entrego sem recusas.
Num ápice
paro de pensar,
de me debater.
Caio no chão, aturdido.
Ela olha-me lá de cima impávida,
e com um sorriso malandro
de ramo a ramo
agita os braços pendentes,
dos quais caiem inúmeras folhas
amarelecidas e cálidas,
que me roçam a face e me cobrem o corpo
qual carícias gratuitas
num momento de carências.

Mas o melhor é avançar
pois tarda e o tempo urge…

Corro ansioso e veloz,
entre alamedas douradas,
numa estrada feita de cores
de carvalhos e latadas.

O Sol esse vaidoso
vai p'la frente, que emoção,
nesta terra de conquistas,
já me dói o coração.

P’ra traz deixei uma mágoa,
uma ténue emoção
um grito, um adeus, um ai,
emoções de ocasião.

A noite envolve-me célere
num abraço já esquecido.
O caminho p’la frente
vai-se esfumando e é estreito.
Um véu imenso translúcido
abre-se no meio do nada,
qual porta ferrugenta
de negro ferro pesado,
levando na sua beira
pedras, latas e muitas cascas…
Abertas de par em par,
sou recebido à entrada
por três arautos da desgraça,
que me convidam a entrar,
com vestes de cores berrantes,
de negro couro partido,
correntes fortes e roxas
pendem-lhes do corpo envelhecido.
Tocam trompas grandes e roucas,
de música fétida e pesada,
reconheço algum rock sinfónico
com muito resíduo metálico.
Anunciam-me fomes e medos,
doenças, desilusão,
pois são arautos do degredo
fãns da eterna solidão.

O regressar é penoso
no filme que se vai rodar.
Só uma malga de sopa
E um cigarro p’ra me enganar.

O sono, esse medroso,
não vislumbro há muito tempo,
na masmorra que me encerra
até chorar nem me lembro…

João Belém
2010-02-28

1 comentário:

Antónia Ruivo disse...

Fiz essa viagem contigo, beijinhos