2013/07/21

Ana Martins

Ana Martins


ATROPELADOS



Nas páginas da História a ser escrita, far-se-á o registo de um Presidente da República que suportou, até ao limite, a actuação de um Governo que falhou em tudo aquilo que definiu como essencial.
Um PR que, quando era expectável que desse posse a um Executivo reconfigurado, juntou mais humilhação ao rol das perpetuadas ao primeiro-ministro, ignorando, na sua comunicação ao País, a solução apresentada por este último, numa semana de irrevogabilidades precárias.
Nas páginas da História a ser escrita, o PR virá descrito como o agente político que abdicou de ser mediador (discurso das cerimónias do 25 de Abril), mas que não se inibe de pedir o impossível aos outros: colocar o PS numa jangada cuja direcção este nega há dois anos. Nas páginas da História a ser escrita, far-se-á o acervo dos prenúncios do PR: o partido que se colocar fora destas negociações, será objecto de demonização quando/se eleições forem convocadas em 2013.
A salvação nacional foi tentada; os partidos e os políticos, a classe a quem nunca quer ser associado, são os responsáveis por esta capitulação, à qual bem tentou opor-se. O PS negoceia, por isso, à direita, só podendo almejar um acordo vago e sem medidas concretas (a única maneira antecipável de convergência). Negoceia, também, à esquerda, com o BE. Justifica o afã com o sentido de responsabilidade exigido pelo PR, apostando na disponibilidade para apenas ouvir - e assim sendo, não há razão para não conversar com todos.
Nesta óptica, as reuniões à esquerda e à direita não comprometem coisa alguma. Mas mais tarde ou mais cedo, o PS sabe que, parafraseando Aneurin Bevan, vai ter de sair do meio da estrada, sob pena de ser atropelado. É que nas páginas da História que já foi escrita, "a direita" é pragmática, porque se une para formar governo, autodestruindo-se a posteriori, em exercício de funções. E a esquerda, tida por menos pragmática, armadilha-se por entre certificações de "patriótica" ou "verdadeira", destruindo convergências a priori.
Ana Martins, Psicóloga, docente e investigadora

2013/07/02

Do meio dos ruídos da cidade



Do meio dos ruídos da cidade, recolho uma aragem fresca que se escapa por entre o braseiro de um estio canicular.
Neste rumor de frescura, um frenesim de querubins de trapos de cor púrpura e escarlate e amplas asas brancas esvoaçam ao meu redor.
Finjo que gosto.
Realmente finjo que vivo. Nem tento sorrir à festa e ao convite para entrar na dança.
O paraíso de brandos costumes e piedosas sombras engana.
Sobrevivo à alucinação e ao delírio que inunda qual ondas de mar revolto que tudo arrastam em redor da sala vazia.
A tentação agrada-me.
Mais que o feliz momento inebriante é a agradável sensação de pura entrega ao sonho… sem retorno!
Não durmo.
Na casa toda, um aroma a maresia e a narcisos frescos causa-me náuseas.
Pétalas amarelas, soltas cobrem as lajes frias. Afinal, era verdade!

Desperto... por fim da catatonia de que padeço.
Do meio dos ruídos da cidade, já ouço a manhã chegar…
Bom dia!

J.Belém
Julho 2013

(Foto In, http://atitudedeadoradores.blogspot.pt/2009/04/andando-pelas-ruas-eu-vejo-algo-mais-do.html)

2013/06/01

Mensagem enviada ao encontro da Aula Magna

José Pacheco PereiraCaro Presidente Mário Soares,
Não podendo estar presente nesta iniciativa, apoio o seu objectivo de contribuir para combater a “inevitabilidade” do empobrecimento em que nos querem colocar, matando a política e as suas escolhas, sem as quais não há democracia. Gostaria no entanto de, por seu intermédio, expressar com mais detalhe a minha posição.
A ideia de que para alguém do PSD, para um social-democrata, lhe caem os parentes na lama por estar aqui, só tem sentido para quem esqueceu, contrariando o que sempre explicitamente, insisto, explicitamente, Sá Carneiro disse: que os sociais democratas em Portugal não são a “direita”. E esqueceu também o que ele sempre repetiu: de que acima do partido e das suas circunstancias, está Portugal.
Não. Os parentes caem na lama é por outras coisas, é por outras companhias, é por outras cumplicidades, é por se renegar o sentido programático, constitutivo de um partido que tem a dignidade humana, o valor do trabalho e a justiça social inscritos na sua génese, a partir de fontes como a doutrina social da Igreja, a tradição reformista da social-democracia europeia e o liberalismo político de homens como Herculano e Garrett. Os que o esquecem, esses é que são as más companhias que arrastam os parentes para a lama da vergonha e da injustiça.
Não me preocupam muito as classificações de direita ou de esquerda, nem sequer os problemas internos de “unidade” que a esquerda possa ter. Não é por isso que apoio esta iniciativa. O acantonamento de grupos, facções ou partidos, debaixo desta ou daquela velha bandeira, não contribui por si só para nos ajudar a sair desta situação. Há gente num e noutro espectro político, preocupada com as mesmas coisas, indignada pelas mesmas injustiças, incomodada pelas desigualdades de sacrifícios, com a mesma cidadania activa e o mesmo sentido de decência que é o que mais falta nos dias de hoje.
A política, a política em nome da cidadania, do bom governo, e da melhoria social, é que é decisiva. O que está a acontecer em Portugal é a conjugação da herança de uma governação desleixada e aventureira, arrogante e despesista, que nos conduziu às portas da bancarrota, com a exploração dos efeitos dessa política para implementar um programa de engenharia cultural, social e política, que faz dos portugueses ratos de laboratório de meia dúzia de ideias feitas que passam por ser ideologia. Tudo isto associado a um desprezo por Portugal e pelos portugueses de carne e osso, que existem e que não encaixam nos paradigmas de “modernidade” lampeira, feita de muita ignorância e incompetência a que acresce um sentimento de impunidade feito de carreiras políticas intra-partidárias, conhecendo todos os favores, trocas, submissões, conspirações e intrigas de que se faz uma carreira profissionalizada num partido político em que tudo se combina e em que tudo assenta no poder interno e no controlo do aparelho partidário.
Durante dois anos, o actual governo usou a oportunidade do memorando para ajustar contas com o passado, como se, desde que acabou o ouro do Brasil, a pátria estivesse à espera dos seus novos salvadores que, em nome do “ajustamento” do défice e da dívida, iriam punir os portugueses pelos seus maus hábitos de terem direitos, salários, empregos, pensões e, acima de tudo, de terem melhorado a sua condição de vida nos últimos anos, à custa do seu trabalho e do seu esforço. O “ajustamento” é apenas o empobrecimento, feito na desigualdade, atingindo somente “os de baixo”, poupando a elite político-financeira, atirando milhares para o desemprego entendido como um dano colateral não só inevitável como bem vindo para corrigir o mercado de trabalho, “flexibilizar” a mão de obra, baixar os salários. Para um social-democrata poucas coisas mais ofensivas existem do que esta desvalorização da dignidade do trabalho, tratado como uma culpa e um custo não como uma condição, um direito e um valor.
Vieram para punir os portugueses por aquilo que consideram ser o mau hábito de viver “acima das suas posses”, numa arrogância política que agravou consideravelmente a crise que tinham herdado e que deu cabo da vida de centenas de milhares de pessoas, que estão, em 2013, muitas a meio da sua vida, outras no fim, outras no princípio, sem presente e sem futuro.
Para o conseguir desenvolveram um discurso de divisão dos portugueses que é um verdadeiro discurso de guerra civil, inaceitável em democracia, cujos efeitos de envenenamento das relações entre os portugueses permanecerão muito para além desta fátua experiência governativa. Numa altura em que o empobrecimento favorece a inveja e o isolamento social, em que muitos portugueses tem vergonha da vida que estão a ter, em que a perda de sentido colectivo e patriótico leva ao salve-se quem puder, em que se colocam novos contra velhos, empregados contra desempregados, trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, contribuintes da segurança social contra os reformados e pensionistas, pobres contra remediados, .permitir esta divisão é um crime contra Portugal como comunidade, para a nossa Pátria. Este discurso deixará marcas profundas e estragos que demorarão muito tempo a recompor.
O sentido que dou à minha participação neste encontro é o de apelar à recusa completa de qualquer complacência com este discurso de guerra civil, agindo sem sectarismos, sem tibiezas e sem meias tintas, para que não se rompa a solidariedade com os portugueses que sofrem, que estão a perder quase tudo, para que a democracia, tão fragilizada pela nossa perda de soberania e pela ruptura entre governantes e governados, não corra riscos maiores.
Precisamos de ajudar a restaurar na vida pública, um sentido de decência que nos una e mobilize. Na verdade, não é preciso ir muito longe na escolha de termos, nem complicar os programas, nem intenções. Os portugueses sabem muito bem o que isso significa. A decência basta.

2013/04/25

GOOGLE no 25 de Abril de 2013



É com certa mágoa e indignação que me vai na alma, que ao ligar o meu PC e entrar na net surpreendentemente me deparo com a iniciativa que a Google decidiu nos presentear na sua animação comemorativa desta data inesquecível da História de Portugal, escolhendo, (mal, penso eu), como dia do nascimento da denominada "The First Lady of Song," Ella Fitzgerald em detrimento da data de 25 de Abril de 1974 que deve estar para sempre, na história como o dia em que Portugal deu os seus primeiros passos em direção à democracia.

Bom, nós somos Portugueses aqui e a nossa História é mais importante ser relembrada e vivida em cada dia que passa como dia de luta e indignação, direito este que todos nós manifestamos, cada vez mais, nestes tempos de crise global que nos afeta e nos toca particularmente, tornando-nos seres tementes ao que o destino nos reserva e, por isso, relembrar o 25 de Abril de Portugal é reviver todos os momentos de alegria, solidariedade, esperança, renascimento, promessa de um País mais justo e livre, no fundo, Futuro mais risonho - sentimentos vividos naquele dia 25 de Abril de 1974, que hoje infelizmente são meras ilusões e que não podemos evitar de os relembrar, apesar de nos imporem ideias e outras datas que nada têm a ver com a nossa dura realidade nacional.
O 25 de Abril de 1974, como data incontornável e inesquecível para sempre deve ser sempre marcada e relembrada pois é a Nossa História, A História de Portugal e dos Portugueses.
Neste dia não devem existir meros atos de censura ou imposições de esquecimento.
Imperdoável, sem dúvida!

2013/04/04

Alacrimia congénita



Queixumes perdidos entre os dentes gastos,
do meu íntimo repleto de desumanas lutas.
A lenta barba cresce e acinzenta-se caindo em pó de lava apagada cobrindo calçadas famintas.
Perante a esmorecida luz do descontentamento atroz,
vil maneira de sucumbir aos dias, às horas vazias de largos silêncios, os pés arrastam nos duros e cúbicos graníticos paralelos.
Logo à partida, desafios gorados.
Na assombrosa montanha de "des" e "ses" e "talvez" se constrói o mundo meu indestrutível (pensava!).
Numa fatídica união de fato.

Num mero fim de estação, dia, semana, mês talvez... acúleos brotaram rudes, sub-reticiamente na raiz fasciculada do meu âmago, qual ser draconiano que me envolve e me consome de raiva e me torna clorofílico.
Fogo brota entre dentes e lábios de diabo solto, numa insana loucura de lumes, risos, gestos.
(O peito arde).
As têmporas de veias duras, palpitam e explodem em dores... e prantos de viúvas.
A raiva nasce... rói... corrompe... dilacera... rói de novo... numa moinha pulverizada de riscos e pontos e vírgulas e exclamações. No fim interrogações.
Promessas... Sinas... Ses... Des... Talvez contradições... E muitas... imensas desilusões!

Esgotaram-se as lágrimas...


João Belém

2013.03.11

2013/03/08

ODE À MULHER


Obrigado Senhor
por teres criado no mundo a mulher...

E por tê-la enriquecido com preciosos dons:
o carinho, a sensibilidade, a beleza,
a ternura, a dedicação e o amor.
Deste ao homem a graça de encontrar
na mulher: uma amiga, irmã,
companheira, esposa e mãe.

Nela se processa o mistério da vida,
sendo capaz de gerar,
de trazer à luz filhos e filhas.

Sem sua presença no mundo,
o amor estaria fadado à extinção.

E o mundo ficaria pobre e sem sentido.
Perdoa-nos, Senhor,
por nem sempre sabermos reconhecer
o verdadeiro valor da mulher,
por muitas vezes a considerarmos objetos,
sexo frágil e força de trabalho doméstico.

Que também a mulher reconheça seu valor,
sua dignidade e sua missão no mundo.

Que ela não aceite ser instrumentalizada
em banalizada no seu corpo
e nos seus sentimentos.

Que no corpo e na alma de cada mulher,
possamos continuar encontrando os
sinais de MÃE que nela plantaste.

(In, http://www.gamedesire.com/player/acma1953)