VIAGENS I
Esplêndido, maravilhoso nascer. O Sol vagaroso ergue-se. É assombroso!
As fantasmas árvores, porte pequeno, esguio tronco,
rasgadas ramagens, pululam a enevoada planície de terra coberta por ténue,
débil camada de puro cristal, finíssimo gêlo, que arrefece o corpo, mas aquece
a alma do viajante. O céu momentaneamente acinzenta-se. Não se descortina se assim ficará ou se se tornará anil. Adiante, brancos casarios do solo brotam, como
esquecidos cogumelos em húmidas florestas. E o Sol vai subindo entre a neblina, subindo e
aparecendo, aqui e ali, entre os novelos redondos de alvas nuvens, aquecendo
mais e mais. É dia.
Rostos de gente engelhados saiem dos borralhos onde
pernoitaram, enrolados em negros xailes de sujo pó de fornalha, arrastam-se
pelo pedregoso campo, como poeideiras galinhas, aqui e ali bicando, escolhendo
o que não há p'ra escolher, procurando sustento, alimento para mais um fraco
dia. Ali e além, uma vedação. Chão lotado, dividido,
explorado; idêntico campo de extermínio, concentrado, delimitando terreno de
arame esfarrapado, tornando crua, fria, cruel a desoladora paisagem que o Sol
ilumina e disfarça.
A esfoemada gentalha ao longe espiando, do casario
aguarda, enquanto brota alguma vida do chão fendido, que por fim é arrancada,
dividida, abandonada. Os que podem fogem p'ra longe, para outras paragens,
com a cobiça da fácil fortuna, vaidade, fartura.
Acolá, grosso rebanho sobe a ladeira; enoveladas
cabras de rude, grosseira lã branca, suja pelo asqueroso pó ocre dos grotescos
carreiros, onde alguns homens matam o seu tempo abeirados a toscos, tortos
cajados, esculpidos por calejadas, hábeis mãos de trabalho. Mais à frente, poças d'água escura, fétida, imunda;
vestígios de um rio, ribeiro? Pequenas criaturas verdes, encafuadas, de salientes
brancas pupilas, saltando p'ras charcas, banham-se nas águas repelentes,
contaminadas; os ares tresandam de cheiros podres de lama corrienta. O céu enegrece. A chuva talvez caia, finalmente. Será bem recebida mas escassa. A fraca brisa sopra, acomete a chuva, pica-a e esta
foge. O Sol novamente aquece, torra o viajante tornando-o
viscoso. Ilumina-lhe as sonhadoras, ansiosas, agitadas feições.
O caminho alonga-se, vias, acessos se cruzam entre si,
entre terra e cimento, entre pedras e asfaltos, por cima e por baixo. O ansioso viandante trémulo, avista. É chegada a hora, castelos e catedral, de vista
molhada, orgulhosa por mais um encontro, merecido descanso, desejado anseio de
parar por fim.
Ei-la:
Um grande amor perfeito,
Sinto-a no peito com vaidade,
É uma Princesa do Alentejo,
Portalegre minha Cidade.
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